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Foto do escritorHelena,Jeslane ,J.Guilherme, M. Letícia, Emilly Fernandes

Na linha de frente contra a Covid: “Tentamos fazer comunicação pública da melhor maneira possível”


Jornalista, professor, poeta e comunicador atuou como Assessor de Comunicação da Secretaria de Saúde de Campina Grande durante contexto pandêmico





Natural de São José da Mata, Paraíba, Rafael Melo sempre demonstrou paixão pela literatura e pela comunicação, uniu as duas desde a infância recitando poesias que lhes foram apresentadas, a princípio, pelos tios. Com formação em Letras pela UFCG e em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela UEPB, o jornalista agregou a poesia popular como parte de sua história e identidade, o que lhe rendeu a alcunha de Rafael Poeta, como é popularmente conhecido.


Atualmente, aos 33 anos, Rafael mora em Campina Grande, onde atua na comunicação da Secretaria de Saúde e como professor do curso de jornalismo da UEPB. E foi como comunicador que Rafael esteve na linha de frente contra a Covid-19, colocando a serviço da população não apenas seus conhecimentos, mas também seu senso de empatia e humanidade. Como gerente de comunicação da Secretaria de Saúde, ele trabalhou diretamente no Hospital Pedro I.

Nesta entrevista, o jornalista fala sobre a experiência marcante de contribuir, através da comunicação pública, com a população paraibana no contexto pandêmico. Acompanhe os principais trechos:


Você trabalhou na linha de frente contra a COVID-19 durante a pandemia como gerente de comunicação da Secretaria Municipal na Prefeitura de Campina Grande. Qual a sensação de estar presente num cenário tão difícil e em um momento de infodemia, de excesso de informações e por vezes desencontradas?

Foi talvez a maior experiência da minha vida do ponto de vista pessoal e profissional. Ninguém sabia absolutamente nada sobre o vírus ou tinha poucas evidências, tentamos fazer comunicação pública da melhor maneira possível promovendo informação coerente para a população, quando não tínhamos um direcionamento claro e correto. Tanto que nesse período as redes sociais da Secretaria de Saúde pipocaram, tínhamos ali 3 mil seguidores para uma cidade com 400 mil habitantes, com conteúdo de qualidade. E em seguida 13 mil, depois 25 mil, aí veio a vacinação e subimos para 80 mil seguidores, com conteúdo com meio milhão de visualizações. E naquele momento, os próprios veículos de comunicação não podiam estar nos hospitais, então quem estava produzindo para esses veículos era a Secretaria de Saúde. Tanto que a sala de comunicação passou a ser no Pedro I, o Hospital de referência para Covid em Campina Grande. Eu estava dentro do hospital gravando, assessorando, fazendo coletiva de imprensa, uma série de ferramentas e recursos para tentar dirimir os efeitos da pandemia e também comunicar sobre o que estava sendo desenvolvido. Então, foi de fato a experiência mais importante.


Sim, e exposto ao vírus, pois você foi positivado duas vezes com a covid.

Sim, mas curiosamente não fui positivado no começo, passei quase um ano sem pegar covid. Mas já em janeiro/fevereiro de 2021 eu peguei pela primeira vez, um ano depois eu peguei novamente quando foi feito um teste diferencial para saber o tipo de linhagem do vírus. Aí mandaram minha coleta para o Instituto do Paulo Chagas no Pará e veio o resultado: ômicron. E é engraçado isso porque eu fui o primeiro caso na cidade quando ainda não tinha em Campina, ou já tinha, mas não tinha sido feito nenhum teste para identificar.


Qual a sua relação com as famílias que perderam seus entes queridos para o covid-19, no seu local de trabalho na época? Quais momentos mais marcantes te vêm à mente sobre a oportunidade de fazer grandes coisas por outras vidas?

Felizmente na minha família não tivemos nenhum caso de morte por Covid-19, mas meus sogros positivaram, meus pais e minhas irmãs também, e eu que estava bem, tive que cuidar de todos. Minha mãe foi internada com 50% do pulmão comprometido. Um tio meu ficou internado no Pedro I em coma durante 30 dias e como eu estava no Hospital, o visitava e via a situação. Nos serviços de saúde, eu lembro do doutor Ricardo Passos da UPA e da doutora Ana Cantalice do ISEA, com quem tínhamos gravado um vídeo dias antes sobre, ela criou uns face shields lúdicos com bonequinhos e distribuiu no Hospital das Crianças, um mês depois ela morre de Covid. No Pedro I teve uma situação muito interessante, no país tivemos aquele caso de troca de corpos nos enterros, já no hospital eram 10/15 corpos por dia e para fazer a identificação da vítima, o familiar tinha que fazer de forma muito rápida pelo risco de se contaminar. Uma pessoa identificou errado o corpo, trocaram o corpo e enterraram errado e a imprensa divulgou. Fui atrás e no fim não eram dois corpos, eram três, um em outra cidade. Nesse dia eu fui bater em cemitério para protocolar a retirada e exumação do corpo. Então quer dizer, é um trabalho que vai muito além da comunicação, com o objetivo de contornar aquela situação e resolver, para que pudéssemos divulgar de forma correta. A imprensa confiou apenas na fala de uma família e publicou errado. No outro dia orientei o secretário de saúde a chamar uma coletiva de imprensa e informar que na verdade, eram três corpos. Isso não é problema nenhum, iria gerar um novo debate, uma nova pauta negativa? Sim, mas se lá na frente tivermos qualquer problema não seríamos apontados como responsáveis por ocultar uma informação.

Outra situação: uma senhora de outra cidade morreu e seus pertences não foram recolhidos pela família que estava tentando recuperar. Eles já tinham vindo da cidade umas três vezes para resgatar e não conseguiam. Fiquei sabendo que o motorista do transporte de lá era quem vinha e por coincidência o encontrei no centro da cidade e o chamei para ir ao hospital. Pedi o nome aqui da paciente, descobri que ela estava no posto 4 e fui entrando no hospital, no meio da procura uma enfermeira sugeriu que fosse o saco que estava no canto. Era um desses sacos de lixo, com tudo dentro e amarrado. Quando fui entregar me veio à memória que 70 anos de lembranças estavam resumidos em um simples saco de lixo com algumas poucas memórias materiais que a família tentava resgatar. Isso me marcou bastante, fiz questão de ir atrás para que a família pudesse ter pelo menos a possibilidade de contato com esses bens. Tem um autor chamado Vladimir Safatle que fala que a pandemia teve também uma morte simbólica, porque as famílias não podiam enterrar os corpos. Ter contato com aquilo que desmaterializa o ente de seu contato, e de fato, nem as lembranças dos pertences dela eles conseguiam acessar.


A poesia foi de grande incentivo simbólico para você conseguir tocar a vida com mais esperança ou leveza durante a pandemia do covid-19?

Pra ser sincero, nesse período a poesia ressoou mais baixo na minha vida. Eu não tinha nem condições de consumo, chegava em casa exausto, foi um período de muito trabalho, angústia e incerteza. Aos poucos fui retornando, foi quando eu lancei o cordel, acho que em 2022, do “Homem que queria perder a visão” e tô com alguns outros projetos aí, mas durante a pandemia mesmo, a poesia não teve espaço nesse processo.


Condecorado com cinco prêmios, sendo um deles o de Melhor Experiência de Imunização na PB em 2023, qual a sensação de ter feito parte ativamente da linha de frente da imunização no estado?

Um comunicador participando do prêmio de melhor experiência em imunização, como o prêmio nacional e o prêmio regional, justamente porque as campanhas de vacinação passavam pela comunicação. Por exemplo, criamos a tática de publicar as vacinações por faixa etária com temas. Criamos muito conteúdo de animação com o Zé Gotinha, um personagem que retoma esse laço da confiança. Me vi inclusive indo conversar com meu sobrinho para saber quais eram os temas daquela faixa etária para poder criar a divulgação das campanhas. Criamos um aplicativo e um site para a agenda da vacinação. Criamos o chamado “Carro da Vacina” que leva a vacina em domicílio, uma ideia que surgiu em um dia que eu escutava a moto da pamonha passar e então pensei e assim fizemos. Matéria que ganhou um destaque na TV Brasil e levou a busca ativa vacinal né.


Foto: Emilly Fernandes

Rafael, você sabe que seu trabalho no contexto pandêmico foi de doação, de entrega, de sacrifício. Hoje, passado o momento crítico, como se sente em ter conseguido fazer o que fez e ser diferencial para muitas pessoas em momentos de fragilidade delas?

Não conseguiria vislumbrar não estar naquele espaço fazendo aquilo, até agradeço por estar ali fazendo algo produtivo e proveitoso para a sociedade. De fato, foi um trabalho árduo, tenso, conturbado, mas a cada resultado que víamos, vibrávamos. Todos os dias de manhã fazíamos uma coletiva virtual pelas rádios, o secretário de saúde entrava todo dia às 6 horas da manhã, eu já estava na secretaria e ele dava entrevistas trazendo informações para as pessoas de todas as rádios, onde os jornalistas iam perguntando pelo meet. Fizemos muita coisa para atravessar esse momento da melhor forma, tanto que Campina tem uma experiência positiva nesse sentido, não saturou o sistema e tivemos um razoável controle da situação.


E foi em uma época que o jornalismo estava muito desacreditado.

Sim, exatamente! O jornalismo caiu em um descrédito total e conseguimos de algum modo reestabelecer esses laços com a população. Depois eu produzi um artigo sobre comunicação pública que trata a comunicação e pandemia em Campina Grande, das potencialidades da comunicação na assessoria da Saúde. Consegui dar a minha contribuição.


Confira mais imagens no slideshow:


 
Expediente

Supervisão editorial: Ada Guedes e Rostand Melo



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