Pessoas do signo de libra são tidas como cordiais, pacíficas e controladas. Agda Aquino (41), professora, mestre em Estudos da Mídia (UFRN) e doutoranda em Educação (UFPB), nunca se sentiu assim. “Só fiquei controlada depois de ‘véia’ viu, porque eu quando mais nova [...] arreganhava e botava o dedo na cara do povo.” Durante boa parte de sua juventude, ela não via outras mulheres com os mesmos olhos e a empatia de hoje. Ao avistar uma mulher em um show, por exemplo, as críticas eram automáticas. Entrar na universidade foi uma experiência transformadora para Agda, pois foi no espaço acadêmico que teve contato com outras realidades e pôde entender mais sobre sua identidade. Foi lá também que percebeu seus privilégios, enquanto mulher branca e com boas condições de vida, na sociedade racista e classista em que vivemos.
Graduada em comunicação, é jornalista, com formação também em moda. Suas redes sociais vibram coloridas, talvez seja resultado de seus trabalhos, ou talvez uma reprodução da sua própria personalidade. Agda tem uma vasta experiência como jornalista, mas se descobriu verdadeiramente na sala de aula. Iniciou a carreira acadêmica e atualmente é professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa, onde reside, e da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), em Campina Grande. Dona de um extenso currículo, as duas graduações, a especialização, o mestrado e os diversos concursos públicos, fomentam sua bagagem profissional.
"Eu me descobri na sala de aula, então eu amo a sala de aula, de verdade!"
Aos 36 anos, Agda descobriu que iria ser mãe. Por ter sido uma gravidez tardia, brinca que foi “mãe da terceira idade”, mas reconhece que é uma exceção, numa realidade em que inúmeras mulheres não conseguem se firmar no mercado de trabalho e construir uma carreira antes de engravidar. A gestação da filha, Íris, foi a parte mais fácil para a professora. Teve apoio necessário da família, de seu companheiro e com garantia de permanência no emprego. Ela, inclusive, queria que fosse assim para todas as mães: “Sou diferenciada socialmente no Brasil, [...] não corro o risco de ser demitida”. Contou ainda com uma rede de apoio formada principalmente pelas avós do bebê e pelo marido, Matheus. Porém, sabe que essa não é a realidade da maioria das mulheres brasileiras.
“Achei, quando estava grávida, que era um bom momento pra ser mãe porque eu achava que o mundo estava indo pra um lugar melhor".
Participando de grupos de mães, vê de perto as dificuldades que permeiam a maternidade, que vão desde abandono dos companheiros/pais, até dificuldade na busca por vagas em creches. Pontua que o ditado adotado pela sociedade brasileira é: "Quem pariu Mateus que balance”, quando preferiria que o ditado vigente no país fosse o africano: "Para criar uma criança é preciso toda uma vila”.
Quando uma mulher engravida, ela se vê, muitas vezes, em situações desagradáveis causadas pelo julgamento da sociedade. Mesmo diante da tranquilidade e da conjuntura já mencionada, Agda não fugiu à regra de mães brasileiras nesse sentido. No ambiente de trabalho, por exemplo, parou de ser convidada para eventos como seminários, palestras e rodas de conversa, atividades antes rotineiras na universidade e que agora ela se via excluída.
Recordou episódios em que pessoas desconhecidas a abordavam na rua, faziam perguntas indevidas, tocavam em sua barriga sem permissão ou davam conselhos (não pedidos) para a futura mãe. Agda se sentia constantemente violada, e para externalizar esse sentimento, produziu uma série de vídeos que foi ao ar no Facebook, chamada 'Grávida Impaciente'. Essas e outras questões constroem uma narrativa machista, que vivenciou frequentemente, inclusive com alguns colegas de trabalho, que a perguntavam se ela iria parar de dar aulas em Campina Grande ou com quem Íris iria ficar durante esse tempo.
Dirigir da capital até Campina Grande foi rotina para ela, exceto por dias de cansaço quando pegava a estrada em ônibus intermunicipais e aproveitava para dormir. Um percurso que além de cansativo, foi se tornando doloroso para Agda, que se viu em uma situação extremamente difícil, pois não conseguia dar o melhor em suas aulas, o que ocorria nas duas cidades. A isso somava-se a distância de sua filha ainda tão pequena.
"Se o amor que a gente sente [...] não fosse proporcional ao trabalho que dá, a mulher das cavernas tinha jogado 'os menino' do penhasco.
Por esses motivos, sua saúde foi comprometida e Agda entrou em um quadro de depressão pós-parto. Nenhuma mulher é de ferro, e até entender que não precisava ser a mãe idealizada que a sociedade esperava, foi um longo processo. Agda tem suas próprias necessidades, e mesmo amando ser mãe, queria dedicar-se a outras atividades que ama fazer, sem se culpar. Foi dialogando com seu marido alternativas para equilibrar as tarefas dentro de casa que ela sossegou mais e notou que poderia ser seu próprio ideal de mãe.
A conversa ganha um ar engraçado quando Íris entra no quarto e rouba a atenção de todos. Ela pede que a mãe dê um pouco de 'chamego' e Agda não hesita, aperta as bochechas da filha, dá beijinhos e contam juntas até doze, quando Íris começa a pular de felicidade. A professora pede para que a filha atenda ao chamado do pai para que ela possa continuar conversando conosco.
“É ela que me tira da realidade e me transporta pra ludicidade, [...] ela que me salva todos os dias, da loucura do mundo: quando brinca comigo, quando dá ‘beijo estalado’, quando pula no sofá…”.
Em meio a tantas dificuldades em conciliar a vida profissional com a maternidade, Agda encontrou a solução em um sonho antigo: O doutorado. Uma vez aprovada cumpriria seu desejo profissional de se capacitar, e poderia ficar licenciada por quatro anos das instituições em que trabalha, vivendo de perto a primeira infância da filha. Não foi fácil, "Fiquei louca! Madrugadas sem dormir, estudando feito louca, fiquei de jogar pedra na lua!", mas seu esforço foi recompensado. Ela foi aprovada em seleção para o Doutorado em Educação pela UFPB. Mais uma vez a rede de apoio à sua volta foi fundamental. Em seu trajeto encontrou colegas doutorandas, mães solteiras, que se desdobram para manter a produção acadêmica sem ter um companheiro para dividir as tarefas de casa e de cuidados com o filho.
E por falar em produção acadêmica, a pandemia revelou apenas mais uma faceta do machismo. Um estudo realizado pela Dados, revista de Ciências Sociais, avaliou que no segundo trimestre de 2020 apenas 28% das mulheres estavam assinando artigos, seja como autora ou co-autora, enquanto no primeiro trimestre deste ano, 40% de cientistas e pesquisadoras assinaram artigos científicos, o que costuma ser a média desde 2016. Para Agda, assim como para várias mulheres mães, a quarentena não tem sido fácil. A professora e o marido fazem doutorado e, consequentemente, precisam preparar suas teses. Nesse período, "está tudo de cabeça para baixo", já que há dias em que ela só consegue trabalhar quando Íris dorme, ou seja, produz na madrugada.
Antes de encerrar a entrevista, Agda pede a filha para perguntar ao pai se ele tinha feito pão de queijo. Nesse momento, lembra que já é hora de pôr Íris na cama. A rotina em tempos de quarentena é singular, as horas parecem não ser suficientes para a professora-mãe-pesquisadora. Mas Agda segue firme, e encerra nossa conversa com uma mensagem esperançosa para o futuro, "só criando pessoas bacanas pra gente conseguir fazer do mundo um lugar melhor".
"Vai ser uma geração que vai ser forte e vai conseguir transformar realmente o mundo num lugar melhor. O que a minha geração não conseguiu."
Confira mais fotos no slideshow:
FICHA TÉCNICA:
Perfil e fotografias remotas*: Ana Beatriz, Louise Viana e Roberto de Sousa
Monitor: Manoel Cândido
Supervisão Editorial: Ada Guedes e Rostand Melo
Agradecimentos: Agradecemos especialmente à Agda Aquino por ter sido tão solícita conosco. Desde a primeira entrevista até o dia de montagem das fotos, mesmo diante da limitação de tempo provocada pelas demandas do doutorado e outras ocupações diárias da professora, ela sempre esteve disponível para mergulhar em nossas loucuras.
*Fotografias remotas: O Coletivo F8 optou por adotar o formato remoto para produção de material do gênero "Retratos", respeitando os protocolos de distanciamento social e ainda assim incentivando os estudantes de fotojornalismo da UEPB a manterem-se ativos na produção jornalística. A fotografia remota permite a execução de pautas fotográficas, mesmo com a limitação causada pela pandemia. O novo formato, além de reforçar a importância do olhar do fotógrafo na montagem das imagens, também permite que ele, mesmo em distância, mergulhe no ambiente que está sendo fotografado e dirija o personagem das fotos: seus movimentos, expressões e interações com os elementos do cenário.
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