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Aprendiz da vida, músico e poeta sonhador: conheça Ernande Veras

nicolasfr345

Cantor, compositor, poeta e escritor “desde antes de começar a escrever”, Ernande Veras, 25 anos, é natural de Recife e veio atuar como artista nas ruas de Campina Grande. Canta e recita, em transportes públicos, músicas e poemas - autorais e não autorais - englobando diferentes gêneros que a arte brasileira tem a oferecer.


Ernande sempre busca a autorização prévia para entreter sua audiência, mantendo o respeito e pedindo àqueles que não possam contribuir financeiramente para que colaborem apenas de uma forma: com sorrisos. Atualmente estuda teatro e atua em coletivos, onde declama suas letras e melodias.


Trabalhando da manhã até a noite como um poeta andarilho das ruas, espalha sua arte, guarda em sua mente sorrisos doces, elogios confortantes e abre os braços com lágrimas de regalo para conquistar o que sempre foi dele, o sentimento do mundo.


Em entrevista descontraída, Ernande contou um pouco da sua história como artista de rua, sobre sua vinda para terras paraibanas por causa de um amor e compara o cenário musical de Recife com o de Campina Grande. Veja os principais trechos:


Como surgiu essa paixão pela música e quais suas influências?


Foi com minha mãe. Logo depois de todo o processo de separação dos meus pais, ela começou a criar oportunidades de lazer. Em reunião de amigos em casa, sempre ouvíamos os DVDs de shows de Exaltasamba, Raça Negra, Edson Gomes, Caetano Veloso, Chico Buarque. Estes foram compondo meu repertório de como perceber música. Também tive, no ensino fundamental, um professor de artes que levou a gente para uma sala, para escutar a banda americana Evanescence e identificar os instrumentos presentes na música. Como eu já escutava música, esse episódio foi importante para mim, pois me mostrou como eu tinha bom ouvido e habilidades com a música.


Como você começou a tocar?


Quando ganhei meu primeiro instrumento, um violão, aos 12 anos. Depois de muita insistência com meu pai, ele cedeu. Uma noite, ele chegou com o violão e eu fiquei muito feliz. A partir desse momento comecei a ficar sem saber o que fazer, então tive ajuda de um amigo que sabia um pouquinho mais do que eu e assim fui aprendendo os acordes e padrões que se repetiam dentro da música. Depois de aprender violão fui para guitarra, e estudei violino também.


Como começou a compor? Fale um pouco sobre seu processo criativo.


Comecei a compor melodias a partir da chegada do meu violão e na escrita foi com cartinhas para pessoas que eu gostava na escola, como qualquer adolescente apaixonado. Minha paixão pela leitura começou no primeiro ano do Ensino Médio, quando amigos me emprestaram livros do Mário Quintana e outros mais experimentais, como Leminski. Esse campo do que é possível ser feito com as palavras sempre me interessou. A filosofia sempre me levou a pensar, sempre trouxe uma solução para resolver meus problemas, exercitar o pensamento, processar racionalmente as minhas emoções.


A escrita também é uma forma de colocar umas coisinhas que você está passando naquele momento, é um exercício de encontro. E mesmo quando eu tento fugir desse encontro comigo mesmo, é inevitável. Sento para escrever, coloco uma letra ou outra e quando percebo estou falando coisas minhas.




E na arte de rua? Como foi o seu começo?


Comecei depois de conhecer um cara na estação central de Recife, Henrique. Ele estava tocando violão com uma tampa de margarina como se fosse uma palheta. Eu tinha acabado de comprar uma daquelas caixinhas que vem umas quinze, aquelas que brilham, sabe? Então eu cheguei nele e disse: “escolhe duas pra tu aí, irmão”. Ele ficou todo feliz e respondeu: “ah mentira, cara”. Perguntou meu nome, respondi meio sem jeito e ele disse algo que me marcou: “nunca vou te esquecer, Ernande”. Toda vez que eu passava na estação e ele estava lá, ele gritava meu nome. Foi me apresentando aos amigos dele que também trampavam lá e eu acabei substituindo algum deles que não estavam podendo tocar o violão. Foi daí que eu comecei mesmo como artista de rua.


Sobre seus pais, eles apoiaram?


Não, claramente não. Eu tinha pais solteiros e fui criado pela minha mãe. Minha relação com a minha mãe sempre foi muito complicada, ela era uma pessoa de não medir o temperamento em certas ocasiões, então ela excedia alguns limites, de jogar na minha cara em discussões coisas pessoais que eu confidenciava a ela, das minhas emoções. Eu me afastei muito dela durante meu crescimento. Já meu pai foi ausente por alguns anos e quando fiquei mais velho eu o encontrava a cada 15 dias. Mas rolaram muitas escrotices da parte dele e eu sempre tentava tá ali. Depois eu consegui me desconstruir dessa fase. Mesmo não tendo grandes propostas de ajuda, quando eu conseguia chegar com alguma grana em casa, trampando de manhã até a noite, minha mãe ficava: “eita, isso tudinho!?’’. Então a visão dela mudou mais um pouco sobre isso.


Foi por conta disso que você se mudou para Campina Grande?


Fui sequestrado, nesta vinda [risos]. Conheci uma garota em um evento chamado Salão de Artes, o nome dela é Glaucy, foi amor à primeira vista. Tínhamos uma amiga em comum chamada Sunny, então chegou um momento que acabamos nos conhecendo e nos batemos muito bem. Mas como ela morava em Campina Grande mantivemos contato apenas por telefone, ligações e mensagens. Então, vim passar o fim de ano com ela. Já tínhamos criado uma conexão muito forte, algo que tinha benefícios para os dois lados, se ajudando mesmo de longe. Então ela me fez a proposta de morar com ela, passei alguns dias para aceitar, mas queria viver algo novo, então acabei sendo sequestrado pelo amor dela.


De que forma você compara o cenário cultural de Recife com o de Campina em arte de rua?


Existem pouquíssimas pessoas na arte de rua em Campina Grande. Acredito que por isso tive uma recepção tão boa aqui, por não ter tanta gente se apresentando. Até existe a arte de rua, mas é encontrada mais em sinais, dança, malabarismo, algo que é diferente em Recife, onde em quase todos os ônibus tinha alguém cantando, ou fazendo rap com uma caixinha de som. Aqui, vivi vários momentos bons no sentido cultural. Participei da produção do São João, quando conheci várias bandas e cantores que me incentivaram a investir no meu trabalho, algo que me deixou motivado.




Na questão financeira, você acha que ser artista de rua em Campina consegue suprir as necessidades?


Olha, para mim, não dá pra tudo. O ideal é sempre ter uma renda fixa, até porque eu quero contribuir com a minha parceira - na casa, comida, comprar uma coisinha pra Mahara (enteada) que eu faço questão, sinto muito gosto. Até porque é muito inconstante, tem meses que dá certo e consigo muito dinheiro, outros já não tanto. E para uma carreira que depende tanto do meu estado psicológico, fica difícil manter a máscara do sorriso com esse estresse, com essa instabilidade. Por isso presto serviços ajudando a montar palco de bandas maiores, cobrindo para artistas, e também já trabalhei como cozinheiro e auxiliar. Sempre é bom ter uma garantia.


Vou estar no busão, porque também é uma coisa que me alimenta muito, sabe? Não é só a grana, é conseguir ver gente muito grata com minha música.



E quais as perspectivas para o futuro?


Eu preciso consertar as coisas no presente, para que o futuro se mostre com uma perspectiva mais positiva, sabe? Sigo procurando um trampo fixo para poder recuperar meu equipamento novamente, que precisei me desfazer durante a pandemia. Também preciso consertar meu notebook, fazer outra revisão nesse violão e comprar uma placa de áudio. Mas enquanto isso, vou estar no busão, porque também é uma coisa que me alimenta muito, sabe? Não é só a grana, é conseguir ver gente muito grata com minha música.


Poderia encerrar nossa entrevista com algo autoral? Uma poesia ou composição?


“Calculando o próximo passo

Penso no que faço, dado o tempo que passar por perto

Conheço o preço do tato como a altura do teto do quarto

Quando certo calo dói,

Destino incerto raro,

Roi o estômago,

E é o âmago a rugir,

Metrônomo a correr,

O movimento é, no entanto, talvez,

Quando canto entendo quantas noites componho quieto,

Pausando para um quadro grave de apatia,

Andando na sombra mesmo à luz do dia.”


Ernande Veras


 
EXPEDIENTE

Pós-produção das imagens: Nicolas Ferreira.

Supervisão Editorial: Rostand Melo e Ada Guedes.

Entrevistado: Ernande Veras.



 
 
 

1 Comment

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Fran D'angelo
há 4 dias
Rated 5 out of 5 stars.

Artista massa, a cada do Recife !! ❤️✨

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