Foi dar a primeira aula da sua vida em 2007, ainda com vergonha, no curso de Publicidade e Propaganda de uma faculdade particular de João Pessoa. Após quebrar o medo e a insegurança, saiu de lá com o sentimento de que seria isso que queria fazer pelo resto da vida. Agda Aquino, 43 anos, professora, fotojornalista, fotografa, mãe, autora, doutora em Educação. Entre tantas outras funções, vai trilhando sua trajetória, conquistando e abrindo novos espaços, além de inspirar a todos que tenham o prazer de conhecê-la.
Lecionando atualmente em duas universidades*, Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e Universidade Federal da Paraíba (UFPB), se divide entre duas cidades e tem como sua fiel companheira a BR-230 que liga João Pessoa a Campina Grande. Tentando conciliar suas diversas atribuições com a maternidade e o deslocamento semanal, ela nos conta um pouco sobre sua carreira e como se vê quebrando barreiras e ocupando espaços como mulher.
1- Quem é Agda Aquino?
A primeira coisa que me define enquanto ser no mundo é ser mulher. Isso atravessa tudo, todo o resto, atravessa o que sou no jornalismo, como jornalista, como fotógrafa, como mãe.
2- Como se sente em ser a primeira mulher a assumir os conteúdos de fotografia nos departamentos de comunicação tanto na UEPB quanto na UFPB? Enfrentou preconceito na época?
Enfrento preconceitos até hoje. Demorei a descobrir que eu era a primeira mulher, veja como é invisibilizada essa questão. A professora de jornalismo da UFPB, Margarete Almeida, fez um levantamento e disse: ao que me consta você é a primeira mulher professora de fotografia aqui na UFPB. E imediatamente eu fiz o levantamento junto a UEPB, onde foi mais fácil porque não teve tanta rotatividade de professores. Meu sentimento foi de surpresa, mas depois, pensei o quanto fazia sentido, conhecendo como era a estrutura que tira mulheres neste contexto da fotografia. Ser a primeira mulher a ocupar, através de concurso público, as vagas de fotografia é muito sintomático de como as mulheres vivem historicamente excluídas nestes lugares e ainda continuam sendo. Cadê as mulheres negras ocupando esses lugares também?
3- Existe algum fator específico que te fez cursar jornalismo? Qual foi seu maior incentivo?
Eu queria mudar o mundo para um lugar melhor e achava que o jornalismo era esse lugar. Queria ser escritora, fazer matérias interessantes, mostrar as pessoas e mil lados da mesma coisa, contar histórias. Minha paixão sempre foi o jornalismo cultural, eu amo o jornalismo que propõe coisas para melhorar o mundo.
Demorei a descobrir que eu era a primeira mulher, veja como é invisibilizada essa questão. Meu sentimento foi de surpresa, mas pensei o quanto fazia sentido, conhecendo como era a estrutura que tira mulheres neste contexto da fotografia. Ser a primeira mulher a ocupar, através de concurso público, as vagas de fotografia é muito sintomático de como as mulheres vivem historicamente excluídas nestes lugares e ainda continuam sendo. Cadê as mulheres negras ocupando esses lugares também?
4- Você é mãe de uma menina, então como é conciliar a maternidade com a sua vida profissional?
Eu acho que é muito difícil para todas as mães ou quase todas. Posso falar por mim e pelas amigas e mulheres que eu conheço. Ser mãe é algo que muda a vida da gente em todas as esferas, profissional inclusive. Eu fiz uma escolha quando minha filha nasceu, entendi que com ela recém-nascida não ia ter condição de tá indo para Campina. Minha filha com quatro meses e eu estudando de madrugada, com ela nos meus braços para fazer a seleção para o doutorado. Passei na seleção e consegui ficar 4 anos de licença, sem precisar ir para Campina. Tem horas que eu tenho que trabalhar e dar atenção a ela, às vezes trabalho final de semana. Às vezes ela quer brincar e não tenho como e me sinto culpada. Ao mesmo tempo que é difícil acho também inspirador pra ela. A minha mãe foi muito inspiradora para mim no quesito trabalho. Acho muito importante minha filha ver o quanto eu amo meu trabalho, para que ela tenha amor pela profissão. Pode servir de lição também.
5- Você é considerada uma professora inspiradora, que conselho daria para alunos que estão no início do curso de jornalismo e que sonham em seguir a carreira na docência?
Eu me emociono muito com esse negócio de professora inspiradora. O jornalista que quer seguir carreira na docência, além de fazer mestrado e doutorado, que é o básico, tem que ter uma experiência no mercado porque a gente fala com mais propriedade. A gente precisa ser jornalista primeiro em alguma área. Entender o jornalismo para assim poder ser professor. Outro conselho é não desistir do seu desejo.
6- Quais são as suas maiores referências no mundo da fotografia?
A primeira é Steve Mccurry, porque eu amo retrato. O retrato é o meu gênero fotográfico favorito e ele é um grande retratista. Uma artista que eu adoro o trabalho é Annie Leibovitz, ela é uma fotojornalista raiz, é uma grande referência. Em 2013 eu conheci o trabalho de Vivian Maier e eu me emociono tanto com o trabalho dela, é lindo demais. A norte-americana Diane Arbus retrata pessoas estranhas, sou fã do trabalho dela. Eu amo o trabalho de Aline Brant, a musa da fotografia bordada e curto bastante, acho inovadora e autêntica a Gabriela Biló.
Confira mais retratos de Agda no slideshow:
Minha filha com quatro meses e eu estudando de madrugada. (...) Tem horas que eu tenho que trabalhar e dar atenção a ela, às vezes trabalho final de semana. Às vezes ela quer brincar e não tenho como e me sinto culpada. Ao mesmo tempo que é difícil acho também inspirador pra ela. Acho muito importante minha filha ver o quanto eu amo meu trabalho.
7- Qual o trabalho mais desafiador que você já fez e como lidou com isso?
Achei muito desafiador o trabalho fotografar mulheres indígenas grávidas na Bahia da Traição para uma revista da Espanha. É muito delicado ser uma pessoa não indígena e ser o olhar de fora que fotografa uma unidade indígena. Mas me senti mais confortável por elas mesmas me pedirem para fotografar. Conversei, mandei os trabalhos para elas, aceitei sugestões, mas é muito difícil e tenso esse negócio do olhar de fora fotografar o outro. Mas o que mais me fez passar tensão foi fotografar o parto da minha amiga. Não gosto de hospital, de sangue, me dá uma aflição. Fotografar um parto humanizado dentro de um hospital é extremamente difícil, pois é escuro. Eu estava toda equipada de máscara por causa da covid e ainda tive que ficar longe para não atrapalhar o parto. Ela me fez uma exigência muito específica, que foi saber a hora exata do nascimento e pediu para eu fotografar a hora exata.
8- Qual sua opinião sobre o papel da fotografia na sociedade atual e como ela pode ser usada para conscientizar as pessoas sobre questões importantes?
A fotografia é uma tecnologia. O bem ou o mal que ela faz para a sociedade depende das pessoas que a utilizam. O papel está cada vez mais na sociedade da imagem, seja a fotografia, seja em outros tipos de imagens geradas por inteligências artificiais. Tem que pensar cada vez mais com responsabilidade sobre a fotografia, porque hoje ela tem o poder de destruir vidas.
9- Aluna do primeiro curso de design de moda da Paraíba (FUNATEC), você implementou a primeira disciplina de moda na UEPB. Como é lecionar sobre algo que se identifica tanto?
A moda é meu cantinho de felicidade, de alegria, de afeto. É o que me liga com as mulheres da minha família, com a minha mãe, com as minhas duas avós. O bordado, a costura, os tecidos, quando eu vou em uma loja de tecido, passo a mão parece que eu volto para minha infância. Sinto o cheiro, vejo minha avó lá na frente cantando. Iniciei curso como hobby e acabei juntando com o meu profissional. Fiz o mestrado sobre o figurino do jornalista de televisão. Ensino a ser jornalista de moda porque eu atuei como jornalista de moda por muito tempo e é algo que eu amo fazer também.
A moda é meu cantinho de felicidade, de alegria, de afeto. É o que me liga com as mulheres da minha família. Quando eu vou em uma loja de tecido, parece que eu volto para minha infância. Sinto o cheiro, vejo minha avó lá na frente cantando.
10- Sobre o seu e-book, como foi escrever as lições da fotografia para fazer em casa?
A fotografia me salva em várias situações. Eu travei na tese e não me vinha nada, aí eu disse: vou fotografar aí no meu escritório. Peguei todos os meus livros antigos de fotografia, os livros do meu pai, as técnicas antigas de fotografias. Aí fui movimentar esse Instagram. Fui explicando foto por foto e aquilo foi crescendo, repercutindo, e de repente surge um monte de seguidor, o pessoal da TV querendo fazer matéria, de repente saiu no G1. Eu consegui manter por 3 meses esse pico de coisas que me divertiram muito. Pouco tempo depois uma amiga mandou uns dados para mim informando que apenas 5% dos livros de fotografia do Brasil publicados por editoras são escritos por mulheres. Isso não quer dizer que as mulheres não escrevem, isso quer dizer que elas não têm acesso às editoras. E logo em seguida saiu um edital da UFPB de um concurso para publicar e-books no âmbito pedagógico. Aí eu disse pronto! Vou transformar isso em um livro! Foram mais 6 meses para transformar esse material que eu tinha feito no Instagram, porque eu tive que refazer textos, refazer fotos, reestruturar em capítulos e temas. Submeti, ganhei o concurso e virou o e-book mais baixado da editora da UFPB, a última vez que eu olhei ano passado tinha mais de 4 mil downloads.
11- Uma pesquisa feita para o estudo do jornalismo mostra que 85% dos fotojornalistas são homens, como você se sente fazendo parte dessa trajetória contribuindo e inspirando?
Eu me sinto com uma missão muito séria. Ano passado uma aluna de jornalismo da UFPB, filha de um dos fotógrafos mais importantes e talentosos de João Pessoa, Vivi, fez uma postagem quando terminou o semestre dizendo que mesmo sendo filha, neta e bisneta de fotógrafos, foi comigo que aprendeu a ter amor pela fotografia. Na família dela isso é passado de homem para homem. Então a representatividade importa e ser mulher e professora de fotografia já é um parâmetro. Esses dados são mais tristes porque são dados mundiais. Isso vai ser a minha nova pesquisa que está em andamento. Estou escrevendo um artigo sobre isso e já tenho outras alunas querendo trabalhar com isso, pra gente levantar a história das mulheres fotojornalistas da Paraíba. E tem um monte, são invisibilizadas na história, são invisibilizadas nos créditos, muitas delas trabalham ganhando menos, com trabalho precário, trabalhando de graça pra fazer currículo, sem ter registro no sindicato. Toda hora dizem que esse não é o lugar pra gente, mas essas que existem elas são marginalizadas pela história.
12- Você faz parte da Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo, a ABEJ, como diretora da região Nordeste. Qual é o papel da ABEJ na promoção da qualidade de ensino de jornalismo no Brasil e qual a sua função?
A ABEJ é a principal entidade nacional de organização da legislação para o ensino de jornalismo. É quem dialoga com o MEC (Ministério da Educação) e decide como o ensino de jornalismo no Brasil vai ser, define parâmetros pedagógicos e técnicas. Sou a diretora do Nordeste e também coordenadora do GP que tem mais visibilidade, o grupo de trabalho da ABEJ de projetos pedagógicos e as metodologias de ensino. Fiz o doutorado analisando o ensino da fotografia (acesse a tese aqui). A ABEJ não está interessada especificamente na fotografia, mas no ensino de jornalismo de maneira geral e cada um lá dentro luta pelos seus campos. Tem umas 4 a 5 pessoas de fotografia que tentam lutar para uma melhoria do ensino através das diretrizes, da legislação, de sugestões. O artigo que vou publicar semana que vem lá em Manaus, no encontro nacional do GP que eu coordeno, é a proposta de como inserir a fotografia nos cursos de jornalismo do Brasil.
Obs: O artigo citado por Agda na entrevista já foi publicado e está disponível aqui.
13- Para a área do jornalismo tem algum projeto em mente, alguma coisa que você pense em fazer que ainda não começou mas pensa em dar início?
Tem, mas é segredo. Quero fazer no futuro próximo, um livro-reportagem com essas pesquisas sobre essas mulheres fotojornalistas paraibanas, fazer registro delas, digitalizar arquivos, montar um arquivo público. Eu almejo, a médio prazo, levantar quem são essas mulheres, suas histórias, os seus acervos, as que estão vivas, as que não estão, onde estão esses acervos. E no futuro a gente fazer um livro-reportagem sobre esses depoimentos, contando histórias das mulheres fotojornalistas da Paraíba, para saberem que a gente existe.
EXPEDIENTE
Fotografia e reportagem: Adrya Vitória e Izomara Magna
Monitoria: Ester Bezerra
Supervisão editorial: Ada Guedes e Rostand Melo
*Agda Aquino conciliou o trabalho nas duas universidades durante 10 anos. Mas, ao final de 2024, optou por se dedicar exclusivamente à UFPB. Esse post é uma homenagem de toda equipe do projeto de extensão Coletivo F8 à professora Agda, que também é colaboradora do projeto e integrante da comissão organizadora da Grão Fino Semana de Fotografia.
A chegada de Agda ao Departamento de Comunicação da UEPB em 2012 representou um ponto de virada para a área de fotografia no curso de Jornalismo. Ela iniciou a luta pela melhoria da estrutura do laboratório de fotografia e, principalmente, pelo respeito e reconhecimento ao trabalho de fotojornalistas e pesquisadores da imagem fotográfica no campo da comunicação. Se atualmente a fotografia ocupa um espaço de protagonismo no curso de Jornalismo, muito se deve ao papel exercido por Agda, desbravando esse caminho lá atrás. Obrigado Agda! Que a parceria e a amizade continuem de outro modo, para muito além da sigla escrita no crachá.
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