Fundada em 15 de março de 1996, a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) é referência de ensino e desenvolvimento de pesquisa em todo o Brasil. Hoje com oito campos localizados em Campina Grande, Lagoa Seca, Guarabira, Catolé do Rocha, João Pessoa, Monteiro, Patos e Araruna, a instituição consegue alcançar moradores de regiões interioranas que não continham estruturas próprias para prover o ensino superior público.
Suas inovações através das ações universitárias, impactam diretamente na sociedade com a prestação de serviço e o estímulo à propriedade intelectual do alunado através do ensino, pesquisa e extensão.
Repertório Legal para Entender a Situação-Problema
Apesar da expansão, a UEPB tem enfrentado uma crise orçamentária que vem sendo debatida publicamente há mais de uma década.
Para entender a situação, é importante informar que a instituição segue a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), instrumento utilizado pelo Poder Executivo para estabelecer as principais diretrizes da administração pública e suas metas. Assim, a UEPB faz seu planejamento baseado em cálculos para o ano seguinte destacando suas prioridades e projetos.
Em 2010, após a Lei 7.643/2004, de autonomia da UEPB não ser paga de forma integral, a instituição que vinha expandindo seu corpo docente, discente, bem como a estrutura e as atividades de pesquisa e extensão, passou a não suportar o orçamento limitado gerando uma fissura em seu desenvolvimento. De acordo com Rangel Junior (na época reitor) em entrevista ao Jornal da Paraíba em 2013, “87% do orçamento está comprometido com a folha salarial”. O que na realidade impediria um reajuste de valores salariais e desenvolvimento acadêmico por não haver recursos suficientes para investimentos e custeios.
Em 2014, a reitoria afirmou que o repasse de recursos para instituição não seguiu o que foi previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) e isso prejudicou o planejamento que já vinha sendo proposto através de sua autonomia incorporada no cotidiano da instituição. Ainda assim, a UEPB continuou crescendo e cumprindo seus objetivos diante das adversidades.
Como consequência disso, a instituição adentra num problema que tem tomado grandes proporções, que é a manutenção de um número crescente de professores substitutos em detrimento de um quadro de efetivos que vem minguando ao longo dos anos. Após lacuna expressiva antes de 2010, os certames para o quadro efetivo de professores voltaram a acontecer, realizados em média de quatro anos, como em editais de 2012, 2016, 2022 e 2024, porém o número reduzido de vagas ofertadas não supre a necessidade dos departamentos. Já os processos seletivos para professor substituto se tornaram constantes.
A Realidade do Professor Substituto
Os professores substitutos são garantidos para as instituições de forma temporária como assegura a Lei nº.10.667 de 2003 (a mais recente). Mas a contratação deveria estar vinculada à demandas específicas, como prevê a lei: “O(s) professor(es) substituto(s) deverão ser contratados para suprir a falta de carreira/vagas, decorrente de exoneração ou demissão, falecimento, aposentadoria, afastamento para capacitação e afastamento ou licença de concessão obrigatória”. É fato que a instituição segue conforme a legislação, contudo, a realidade de um excesso de professores na condição de substitutos em detrimento de efetivos gera vários problemas.
Para esta reportagem, conversamos com docentes da instituição para entender as adversidades de um trabalho que acaba sendo precarizado pelas condições dadas. De acordo com a pesquisa realizada entre os dias 03/05/2024 e 08/06/2024, foram respondidas 3 perguntas base por um número de 14 respondentes, incluindo docentes efetivos e substitutos. O primeiro fato que se destaca refere-se à titulação.
De acordo com os docentes, devido a carga horária excessiva de sala de aula, muitos dos professores substitutos não possuem tempo e recursos para uma pós-graduação, a exemplo do doutorado, o que limita o docente de avançar em seus conhecimentos através da pesquisa. A condição salarial também dificulta essa formação, pois muitos precisam conciliar o trabalho na instituição com outros empregos e contratos para complementar a renda.
Há uma adesão contratual mínima a 4 e máxima a 7 disciplinas, o que deixa exposto a sobrecarga e dificuldade de ministrar aulas e praticar suas metodologias a turmas numerosas no ponto de vista da média em soma de todas as disciplinas regidas pelo mesmo docente. Mas a questão é mais abrangente como explica o professor Max:
“Há, em geral, uma sobrecarga que é agravada pelas mudanças de disciplinas a cada semestre, o que aumenta o tempo de planejamento, pesquisa e de gasto com o trabalho. Cada nova disciplina acarreta a necessidade de mais estudo (de temas novos) e revisões (de temas ministrados há tempos atrás), bem como implica em adquirir material (livros) que tematizam sobre os novos assuntos. Também implica no tempo de trabalho, pois requer busca de formação para as novas temáticas, em grupos de estudos, eventos etc, isso a cada semestre. O que impossibilita o aprofundamento necessário ao acompanhamento dos discentes, nos deixa na superficialidade e impacta na qualidade de vida e trabalho”.
Dentre as respostas dadas, repete-se os sentimentos de desvalorização do trabalho, exaustão e sobrecarga do profissional. A professora “Mira” também argumentou sobre esta realidade. Para ela:
“A alta carga horária e a consequentemente falta de valorização salarial dificultam a atuação do substituto que possui diversas funções no ambiente universitário. Isso causa cansaço, ansiedade e incertezas”.
O que fazer para resolver? Segundo os depoimentos, três medidas seriam essenciais para diminuir a precarização do trabalho: a diminuição na carga horária; a realização de concursos públicos para o quadro efetivo de docentes; e a valorização salarial dos encargos docentes. Para Amaro, professor substituto, há X tempo na instituição,
“A realização de concursos para efetivos com número de vagas que supra de fato a demanda dos cursos; a contabilização efetiva de orientações, extensão e pesquisa na carga horária, e o reconhecimento do ensino em pós-graduações como tempo a ser descontado na carga horária das graduações’’
São fatores imprescindíveis a serem seguidos na prática docente. A professora “Kemilly” também problematizou em sua fala atividades que não são contabilizados em sua carga horária, mas demanda tempo e trabalho do docente.
“É necessária a realização de mais concursos públicos. E não tendo essa solução, que cada profissional seja valorizado dentro de sua titulação e que as atividades de orientação, pesquisa, extensão e monitoria contasse como carga horária também. Pois a universidade é sustentada pelo desenvolvimento conjunto de ensino, pesquisa e extensão”.
O Impacto desta Realidade para Professor e Aluno
A situação prejudica muito os estudantes, que se vêem em uma situação atípica no cotidiano acadêmico, a exemplo do que acontece em final de contratos de professores substitutos ou demora para a conclusão de novos certames. O que acarreta interrupção das aulas atingindo discentes recém-chegados, bem como aos estudantes em fase de conclusão de curso.
Como consequência, enfrentam conteúdos atrasados; cursam componentes curriculares em tempo mínimo e ainda enfrentam a falta de oportunidades de ingressar em um projeto de pesquisa e extensão que são orientados exclusivamente por professores efetivos que já não são em número suficiente para desenvolver projetos extencionistas e de iniciação a pesquisa.
O que dizem as fontes oficiais?
A presidenta da Aduepb (Associação dos Docentes da Universidade Estadual da Paraíba) e professora na área de Educação, Elizabete Vale, afirmou que em relação às ações da categoria, a principal luta é por concurso público:
“Porque professor substituto não pode se configurar como carreira na universidade. Substituto é para substituir uma eventual saída de um professor que vai se qualificar para um doutorado, mestrado ou por questão de saúde, mas ele não pode ser um quadro permanente”.
A professora citou ainda outras demandas necessárias para melhores condições de trabalho para esses docentes e que faz parte da aluta da Aduepb. Para ela:
“Uma carga horária adequada às suas condições de trabalho e que o professor seja contratado e receba de acordo com a sua titulação, infelizmente na UEPB isso não existe na prática porquê de acordo com o PCCR, (Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração) o piso salarial do professor substituto é de graduado. Essa luta o sindicato faz e trava já algum tempo, que é modificar, ou seja, tentar reformular alguns aspectos do nosso PCCR’’.
O sindicato dos professores ADUEPB, enfatiza que a luta é por todos os professores, efetivos, substitutos e não sindicalizados, deixando claro que os movimentos continuaram em busca de uma universidade crescente e participativa honrando seu legado e reconhecimento pelo seu imenso trabalho acadêmico prestado à sociedade.
A versão oficial da UEPB
Segundo a Pró-Reitoria de Gestão Administrativa (PROAD) da UEPB, que nos respondeu na pessoa do Pró-Reitor Ricardo Soares: “o papel do professor substituto deveria ser o de apenas dar aulas enquanto os professores efetivos participariam de programas de pesquisa e projetos de extensão”. Quando questionado sobre o porquê de estarem contratando substitutos ao invés de aplicarem um concurso para efetivos, o Pró-Reitor respondeu que estão trabalhando para mudar o panorama atual.
Sobre a demora para a realização de concursos, foi pressuposto que os professores efetivos são mais caros que os substitutos, e que eles já cumprem todas as atividades necessárias e continuam recebendo salário equivalente à função de professor substituto. Ou seja, o previsto pelo regulamento da universidade que não inclui as atividades extras cumpridas pelos professores substitutos.
Seguimos esperando que a UEPB, que se tornou destaque no ranking das 50 instituições com maiores depósitos de propriedade intelectual no Brasil, consiga se reorganizar e resolver a situação que perpassa a realidade de professores substitutos e atingem diretamente a qualidade do aprendizado do alunado.
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EXPEDIENTE
Fotografia e Entrevista: Ednaldo Gonçalves, Thamiris Simplicio, Juliana Burity, Yan Rikelme
Reportagem e Texto: Anna Beatriz, Ednaldo Gonçalves,Thamiris Simplicio
Monitoria: Briza Luzia, Ivaneide Santos
supervisão Editorial: Rostand Melo, Ada Guedes
Reportagem necessária e esclarecedora...e assim, continuamos com a árdua função de professor prostituto (digo, substituto)