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Edson Tavares, Marvin Santiago, Wesley Farias

Poeta (e reitor) Rangel Jr revela: “Durmo e acordo com a música”


A recente e persistente greve dos técnicos da universidade, que obrigou a instituição a malabarismos para seguir funcionando; as pressões do sindicato e dos professores, exigindo definições, que se encontram amarradas, travadas pela antagônica posição do governo do Estado; os problemas que se avolumam numa proporção geométrica; são demandas inúmeras que precisam ser atendidas... O dia, como os anteriores, há anos, não foi fácil para Antonio Guedes Rangel Júnior, reitor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) que chega em casa, no bairro do Catolé, em Campina Grande, com a cabeça fervilhando.

Nem adentra pela sala; toma o rumo à direita, atravessa o pequeno gramado que o separa do seu espaço preferido, neste final de noite. O violão o espera, sobre o banco de madeira, cujas almofadas recebem o corpo cansado. Serve-se de uma dose de cachaça da terra, abraça-se ao instrumento e passa a dedilhar as cordas, aleatoriamente. Os minutos vão avançando e a música, no silêncio da noite, vai operando o milagre: o Reitor retoma, aos poucos, seu equilíbrio, reencontra-se consigo e com seu mundo-refúgio: o da música.

Esse mundo sempre esteve presente em sua vida, desde a infância. Família musical, seu pai, Antônio Guedes Rangel, antes de casar, era conhecido noctívago, seresteiro respeitado nas noites do Casino Eldorado, em seus áureos tempos; sapateiro por profissão, tocava cavaquinho, violão e manola (uma espécie de violão tenor). Seu irmão Juca, tio de Rangel, também violonista, foi quem introduziu este nas boemias paraibanas. Uma tia tocava serafina na igreja. Os seis irmãos tinham alguma inclinação para as artes. Numa família assim, Rangel Júnior só podia mesmo despontar para o mundo da música muito cedo: aos 16 anos já tocava em conjunto de bailes, em Juazeirinho, sua cidade natal.

Rangel trabalha desde muito jovem. Carregava leite numa carroça, do sítio para a cidade, um percurso de cerca de seis quilômetros. Para vencer a solidão, ia cantarolando versões criadas de forma intuitiva, quase de repente, para sucessos internacionais. Com o dinheiro conseguido no ofício, foi à feira e adquiriu uma revista de cifras musicais, com canções de Roberto Carlos. A partir dos primeiros acordes, aprendidos com um amigo, Rangel foi um autodidata, exercitando as músicas do “rei”.

Aos 17 anos, pegou a estrada para Campina Grande. Veio estudar no Colégio Estadual da Prata. Numa cidade maior, logo se enturmou com gente que fazia música e que tocava em barezinhos, ele também cantando na noite. Tempos depois, criou uma banda (ou bando) para lhe acompanhar: Cangaço. Chegaram a gravar um CD. Mais tarde, formou, com os colegas psicólogos Eugênio Filipe, Gilvan e Sérgio Murilo, a Banda Mentálica, que, apesar do que o nome insinuava, dedicava-se mais a um pop rock tranquilo que ao som pauleira. Além disso, Rangel Júnior é versado em compor e cantar músicas MPB, Forró Moderno, facetas musicais que podem ser visualizadas no YouTube.

O compositor Rangel Júnior tinha certo pudor: medo de que a música que saía de sua cabeça pudesse ser uma composição de outra pessoa, que ele ouvira e se instalara em seu subconsciente. Geralmente, ao concluir uma composição, mostrava aos amigos, sem identificar o autor, perguntando se alguém já a escutara em algum lugar.

Mas a primeira música nascida para o público foi feita par a participar de um festival, no Ceará: “Queria até cantar um canto de alegria, / um carnaval, um sonho, um circo, a fantasia, / um canto assim tão belo, / que qualquer donzela se apaixona...”. Arrebatou o terceiro lugar. Aí ele se empolgou, e passou a compor com mais frequência.


Confira o ensaio fotográfico no slide abaixo!




A inspiração lhe vem dos sentimentos mais do que dos fatos, dos acontecimentos. Mas também compõe sob encomenda, como jingles políticos ou canções para o filme de André da Costa Pinto “Tudo que Deus criou”, de 2012.

Rangel Júnior tem cerca de meia centena de músicas compostas, das quais já gravou umas trinta, além de uma incalculável quantidade de pedaços de músicas, que ele vai fazendo e guardando para aprimorar depois, “como um pintor, que começa pintando um quadro, e entra em crise, deixando ali, para depois voltar e terminar”, compara.

Aficionado por música, Rangel enumera, feliz, os instrumentos que tem em casa: dois pandeiros, zabumba, dois triângulos, maracá, três gaitas, flauta, guitarras, cinco contrabaixos, cavaquinho, escaleta, ocarina, piano, além de vários violões, inclusive um que é seu xodó: tem a sua idade, 56 anos (ele nasceu em 16 de novembro de 1962), e quando o adquiriu estava todo arrebentado; ele o está recuperando aos poucos. Enquanto fala, acaricia-o discretamente, premindo-o ao peito. Não esquecendo que ele ainda possui seu próprio estúdio de gravação em casa.

Academicamente, tentou vários caminhos: Jornalismo, Direito, Sociologia, optando finalmente por Psicologia, em que se graduou. É Doutor em Educação pelo PROPEd/UERJ, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Leciona desde 1988 no Departamento de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba. Atuou como dirigente sindical entre 1990-1994. Foi Vice-Reitor da UEPB entre 1996-2000; é Reitor desde 2012, reeleito em 2016. Presidente do Conselho Deliberativo da Fundação Parque Tecnológico da Paraíba desde 2013, é Membro do Conselho da ABRUEM, e do CRUB desde 2015.

A formação acadêmica em Música ficou guardada e assim se mantém pelo menos ao longo dos próximos dois anos, ao fim dos quais se aposenta da universidade, e pretende prestar exame no ENEM, para finalmente se graduar em sua grande paixão.

Tem muitos planos, nessa área: pretende intensificar seu trabalho com trilhas sonoras para cinema e teatro, tenciona fazer produção musical, estudar violão clássico. Quanto ao sonho de fazer sucesso: “aquela tara de ser artista do palco, de tocar no rádio, que se tem quando o cara gosta de música e é adolescente, aquela paixão que o cara fica viajando, imaginando virar artista famoso, isso aí já passou pra mim, está superado”.

Na verdade, quando jovem, ele deixou de repente investir mais intensamente na carreira artística, em função da acadêmica, por uma questão de sobrevivência. Aconselhado por sua mãe, Eneide Freire Rangel, uma pernambucana de Timbaúba que conheceu o marido numa oficina de sapatos, ela também trabalhando no ramo, dizia sempre ao filho que música não dava dinheiro, e que ele precisava correr atrás de algo mais consistente. Foi o que ele fez. Agora, está se preparando para viver seu sonho, seu maior encantamento: “a coisa melhor que aconteceu na minha vida foi eu ter me dedicado à música. Eu acordo e durmo com música.”


Créditos: Isaac Falcão


Rangel Júnior não vê a hora de chegar ao limiar de um novo ciclo em sua vida, de voltar para casa, dedicar-se à vida que, sobre ele, exerce tamanho fascínio, tranquilo do dever cumprido na universidade, mas finalmente entregue aos braços de Euterpe, a musa grega da música, sentar no seu banco preferido, dedilhar seu violão, ao sabor da boa cachacinha da terra.


FICHA TÉCNICA


Supervisão editorial: Rostand Melo


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